1- Sobre o estado de natureza hobbesiano
Segundo Friedrich Hayek, o estado de natureza de Thomas Hobbes é um mito; refere-se naturalmente ao estado cruel onde o Homem vive num estado permanente de todos contra todos. O modelo individualista, ultracompetitivo e agressivo que Hobbes propôs para explicar as origens das sociedades nunca podia ter existido segundo o autor austríaco. Da mesma forma, Darwin defende que o Homem sempre foi social desde que nasceu, com laços competitivos mas também de entreajuda entre os membros geneticamente mais próximos, ou seja, da mesma tribo. Igualmente, o próprio Hayek caracterizou o homem selvagem de uma forma que poderá surpreender os que o vêem como um extremo defensor da cultura individualista:
“The savage is not solitary, and his instinct is collectivist”
F. Hayek
2- Evolução social
Ambos consideram que a selecção natural se faz ao nível do indivíduo e não do grupo, mas isto é essencialmente válido no campo da evolução biológica. No campo da evolução social (ou cultural) o processo é, em larga medida, Lamarckiano: as inovações que foram adquiridas durante o espaço de uma vida são transmitidas à comunidade de forma a produzirem uma sobrevivência e reprodução mais eficazes. Ambos os autores consideram que a capacidade para imitar é provavelmente a característica mais importante para o desenvolvimento do conhecimento humano. Darwin chegou mesmo a aceitar a premissa de Alfred Wallace quando este diz que muito do trabalho inteligente do homem é feito por imitação e não através da Razão. Mais especificamente, a título de exemplo, quando um homem inventa uma arma eficaz para si mesmo, com o intuito de atacar ou defender, todos os outros elementos vão imitá-lo, não porque vão usar a Razão para racionalizar as consequências, mas sim por razões emulativas de equilíbrio de poder e sobrevivência.
3- Transmissão de cultura
A transmissão de cultura entre grupos foi descrita por Darwin da seguinte forma:
“We can see, that in the rudest state of society, the individuals who were the most sagacious, who invented and used the best weapons or traps, and who were best able to defend themselves, would rear the greatest number of offspring. The tribes, which included the largest number of men thus endowed, would increase in number and supplant other tribes. Numbers depend primarily on the means of subsistence, and this depends partly on the physical nature of the country, but in a much higher degree on the arts which are there practised. As a tribe increases and is victorious, it is often still further increased by the absorption of other tribes”
C. Darwin
Desta forma, ao contrário dos argumentos dos defensores da cultura imutável, a cultura e a evolução social dão-se de forma transcultural através da imitação das inovações que se impõem como mais eficazes para resolver problemas. Em paralelo, um determinado grupo que perceba que outro grupo está a dar-se bem com determinadas inovações políticas irá sentir-se tentado a adoptar essas mesmas políticas. A isto podemos chamar globalização cultural, que apenas oferece resistências quando os Estados centrais, ou outras organizações centralizadas, rejeitam essas mesmas inovações que provêm de outras localidades. O indivíduo facilmente adopta essas mesmas inovações que funcionam com outros indivíduos, mas nem sempre os Estados têm interesse em fazê-lo por razões que se prendem com a manutenção de poder.
4- Solidariedade social e Estado
Ao rejeitar o contrato social hobbesiano por considerar que o estado prévio ao contrato não define a natureza humana, Hayek relembra que a ideia de Darwin não é a simples vitória dos mais aptos através da dura competição, é sim uma mistura de cooperação e competição que permitiu o desenvolvimento humano até aos dias de hoje, sem que fosse o contrato social a definir as premissas fundamentais do comportamento humano. Não será por existir mais intervenção dirigista do Estado que vamos cooperar mais nem por haver menos intervenção de Estado que vamos competir mais, podemos é competir pior e cooperar pior. Naturalmente, ao perguntarmos qual a solução que mais beneficia o todo, a resposta é clara, não só em Hayek mas também em Darwin: a política da liberdade individual e da não intervenção estatal, pois a entreajuda e a solidariedade social não começaram com o Estado providência, nem sequer com o Estado, começaram sim com os primeiros humanos.