O REPLICADOR

Abril 08 2011

Em Portugal, tornou-se demasiado comum ouvir auto-denominados conservadores/liberais, proponentes do mercado livre, defenderem o Euro como um instrumento que garante o livre mercado. Quero desde já dizer que considero que estão equivocados. Na prática, o Euro é um dos grandes responsáveis pela actual situação portuguesa de insolvência, dívida endémica e estagnação económica.

 

Com isto não quero ilibar as políticas socialistas dos governos portugueses nos últimos 37 anos: Impostos altos que sufocam a economia, burocracia ineficiente, despesa pública sem qualquer critério, redistribuição a larga escala, leis laborais quasi-comunistas, entre várias outras, são igualmente responsáveis. Porém, ao fazermos uma análise comparativa entre estas políticas “socialistas” portuguesas e as francesas ou alemãs chegamos rapidamente à conclusão que em muitos casos os impostos são ainda mais elevados por lá e as percentagens do PIB que os Estados franceses e alemães gastam são semelhantes ou superiores à que o Estado português gasta. Igualmente, as leis laborais nesses sítios não primam por serem particularmente flexíveis e os níveis de redistribuição não são inferiores aos portugueses. É possível concluir que, em termos gerais, o modelo social democrata está implantado nestes 3 países de forma relativamente semelhante e as referências em termos de políticas públicas nunca variam senão no seu grau e na sua eficiência. Se estes países conseguem pagar as suas dívidas externas é porque se podem dar ao luxo de destruir parte da sua capacidade produtiva com políticas socialistas e ainda serem produtivas o suficiente para gerar receita estatal. O mesmo já não se pode dizer de Portugal, cuja capacidade produtiva anémica não consegue sobreviver a iguais políticas.   

 

Se as referências ao nível das políticas públicas são semelhantes, porque é que estas economias crescem economicamente e Portugal não? Mais, como é que estas economias ainda se dão ao luxo de emprestar fundos a Estados em decadência económica como o português? A resposta imediata prende-se com dois factores determinantes: Primeiro, a estrutura produtiva destes países da Europa central é forte e tem capacidade exportadora, principalmente a Alemanha. Segundo, as taxas de juro do Banco Central Europeu estão ajustadas à actividade económica daquela área geográfica e vão atender às suas necessidades devido às pressões da União Europeia, onde a influência da Alemanha e França é determinante. Consequentemente, as taxas de juros do Banco Central Europeu irão subir quando estas economias sentirem pressões inflacionárias e irão descer quando precisarem de “estímulos” económicos. Isto, claro, à revelia de países periféricos que, mesmo que estejam em contra-ciclo em relação às economias da Europa central, sofrem as consequências de terem de lidar com taxas de juros desajustadas  para as suas economias.

 

 

 

 

 

No caso português este fenómeno é gritante. Portugal claramente não tem uma economia que produza o suficiente para justificar uma moeda forte como o Euro. Já não tinha quando entrou no Euro e tem cada vez menos devido à destruição de capacidade produtiva que os fundos comunitários geraram; estes últimos criaram dependência, grupos de interesse ferozes e investimentos não rentáveis. Portugal evitou as pressões inflacionárias da entrada no Euro devido aos massivos fundos estruturais da União Europeia; mas rapidamente se percebeu que para manter a economia a funcionar com uma moeda desajustada seria preciso pedir emprestado para compensar a falta de produtividade. Foi isto que se fez e chegámos ao que os economistas chamam de década perdida, onde praticamente não se registou qualquer crescimento.

 

Porque questionar o Euro é tabu político, os políticos portugueses continuaram a pedir emprestado em vez de encontrarem outra solução monetária independente que permitisse tornar a economia mais produtiva e exportadora. Cortar na despesa também sempre esteve fora de questão visto que tais medidas custariam votos. A União Europeia em vez de sancionar de facto este processo, foi incentivando este modelo ao reformular os limites à medida que todos os limites iam sendo ultrapassados. A verdade é que parece não ser do interesse da União Europeia expulsar ninguém da união monetária, mas sim preparar-se tomar o controlo do processo económico quando for claro que estes países periféricos como Portugal não poderão ter autonomia económica neste contexto do Euro. Depois de salvarem todos estes países em dificuldades e possuírem grande parte da sua dívida externa, visto que não se vislumbra qualquer mudança no crescimento económico nos mesmos, esta transferência de poder para Bruxelas será uma progressão natural. Ademais, com os países periféricos fora do Euro e com moedas mais fracas a Alemanha perderia mercado, teria de importar mais e exportar menos, e tal, obviamente não interessa aos germânicos no contexto actual. Já Portugal, teria a oportunidade de conferir vitalidade à sua estrutura produtiva exportadora.

 

Em suma, o Euro teve um papel decisivo na actual situação portuguesa, tornou a ordem social em que vivemos progressivamente iliberal. Em nome do Euro, fundos são agora transferidos massivamente de contribuinte para contribuinte, de país para país, sabendo-se que os grandes beneficiários neste processo são os grupos económicos e grupos de pressão que parasitam os Estados. Em nome da moeda única, hipoteca-se as próximas gerações futuras que nascem já com dívidas inomináveis. Porém, é certo que ao sair do Euro, o Estado português teria muito mais dificuldades em financiar-se nos mercados; mas qualquer pessoa economicamente liberal devia ficar satisfeito com este facto. Um Estado que tem dificuldades em pedir emprestado precisa de viver com as receitas modestas que o contribuinte estiver disposto a dar para os gastos públicos.

 

Não, definitivamente, o Euro não é um instrumento liberal. 

publicado por Filipe Faria às 13:00

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