“Behavioral Science is not for Sissies”
Steven Pinker
Estamos perante constantes desenvolvimentos nas áreas da Psicologia, da Neurociência ou da Genética Comportamental. Nos dias de hoje, quem trabalha nas áreas da ciências comportamentais não pode esperar uma vida fácil: explorar cientificamente o comportamento do ser humano é uma actividade que irá sempre sofrer resistências por parte do animal político que é o homem. Desta forma, quem apresenta novos dados na área do comportamento humano está sujeito a ser atacado de forma inexorável pelos que zelam pelo “status quo” actual.
Vivemos repletos de crenças pois encontramos nelas bases de sustentação para o nosso dia-a-dia. Consequentemente, trememos quando os dados empíricos as abanam. Tal como Steven Pinker advoga no seu livro clássico “The Blank Slate”, as 3 grandes doutrinas que dominam a nossa vida em sociedade são: a doutrina da “Tábua Rasa”, a do “Bom Selvagem” e a do “Ghost in the Machine” (o fantasma na máquina). Juntas, elas formam a santíssima trindade contemporânea:
1- A doutrina da “Tábua Rasa” é a que postula que nascemos todos iguais e sem capacidades inatas (inteligência, comportamento, temperamento, etc). É assim a educação e a cultura que nos moldam por completo, definindo por inteiro aquilo em que nos tornamos. É uma doutrina especialmente acarinhada no modelo de ensino das ciências sociais onde o ênfase dado ao factor “cultura” é totalitário em relação a quaisquer outros factores.
2- A doutrina do “Bom Selvagem” é postulada por Rousseau: defende que o homem nasce bom e que apenas se torna mau devido à sociedade e às desigualdades sociais.
3- Por último, a doutrina do “Ghost in the Machine” revela a separação “descartesiana” do corpo e da mente, dando à mente um estatuto imaterial a que normalmente chamamos de “alma”. Esta última doutrina acredita que a alma vive no corpo e que depois do corpo biológico morrer ela continuará a existir mesmo sem a presença deste. É assim uma doutrina de índole religiosa.
À medida que novas descobertas nestas áreas cientificas vão destruindo estes modelos sociais vigentes as vozes de oposição fazem-se sentir.
Quem contesta ferozmente a destruição da “Tábua Rasa” é a esquerda política: se a ideia, generalizada, de que somos tábuas rasas for destruída por novas descobertas científicas que enfatizam o papel estruturante dos genes nas capacidades comportamentais dos seres humanos, então, por certo, a legitimidade para a esquerda alegar que basta dar condições às pessoas para que elas cheguem todas aos mesmos resultados cai imediatamente pela base. As pessoas, independentemente das condições que tenham, pelo simples facto de não terem todas as mesmas capacidades, nunca chegarão aos mesmos sucessos. Da mesma forma, a ideia de que os que têm capacidades favoráveis ao contexto precisam de entregar os rendimentos provenientes das suas capacidades para os que não as têm pode começar perigosamente a parecer uma forma de escravidão. No fundo, o que o fim do mito da “Tábua Rasa” faz é colocar um fim à lógica esquerdista de construtivismo social como modelo de desenvolvimento, porque uma parte considerável do ser humano é inata e não social. A mensagem que a esquerda abomina é a seguinte: “mexam à vontade através do construtivismo social mas saibam que não podem mudar o fundamental da natureza humana que é fortemente influenciado pelos genes”. Por outras palavras, adaptando a este caso as famosas palavras de Giuseppe Tomasi di Lampedusa: a esquerda quer mudar tudo para que tudo fique igual. Com a destruição do mito da tábua rasa por parte das ciências comportamentais, grande parte do discurso esquerdista fica fragilizado.
A esquerda tem igualmente na doutrina do “Bom Selvagem” uma das principais crenças que suporta a sua mundividência política. O homem nasce bom mas as desigualdades sociais e a competição em sociedade tornam-no mau. Com base nesta ideia defendem que a criminalidade é explicada com a pobreza (apesar de existirem muitos pobres honestos) e que o crime se combate com subsídios de reinserção em massa, assim como ajudas infindáveis aos pobres, e não com a coerção das forças policiais. Cada vez mais, os estudos empíricos confirmam que a evolução darwinista não se faz através da bondade do homem mas sim, como é possível aferir no mundo dos animais, de formas por vezes cruéis. Mas está o homem em linha com animais? Segundo inúmeros dados revelados por Steven Pinker em “The Blank Slate” a resposta é sim. É por esta via revelado que as tribos indígenas da América do Sul e Nova Guiné, que vivem em condições pré-civilizadas, mostram uma taxa de mortes de homens às mãos de outros infinitamente superior à da civilização ocidental do século XX e XXI (com as duas grandes guerras incluídas). Ao contrário da ideia idílica de que essas tribos vivem alegremente em paz com a natureza, o que é divulgado por estes estudos são práticas que vão desde o canibalismo a lutas até à morte pelo domínio das fêmeas. Idealizou-se os povos indígenas para condenar a expropriação das terras levada a cabo pelos colonos ocidentais, mas fazer deles os representantes do “Bom Selvagem” é, em si mesmo, um erro antropológico. Contudo, a evolução não se faz nem exclusivamente de bondade nem exclusivamente de crueldade. Resumidamente, processa-se através de uma mistura de crueldade e altruísmo que, em última instância, são reveladores do interesse egoísta que move o indivíduo.
Por fim, as descobertas no campo da neurociência mostram evidências com efeitos dramáticos para a doutrina do “Ghost in the Machine”: o comportamento é controlado por circuitos no cérebro que seguem as leis da química. Concomitantemente, se alterações físicas no cérebro alteram o comportamento de uma pessoa, a noção de “alma” fica sem validade argumentativa. Desta vez, sem surpresa, os ataques não vêm da esquerda, mas sim da direita religiosa. A crença na bíblia por oposição ao evolucionismo tem gerado fervorosos debates nos Estados Unidos entre criacionistas e evolucionistas. Na Europa, devido a uma população comparativamente laicizada, este debate é pouco expressivo. Nos EUA não é anormal ouvir a direita religiosa explicar fenómenos como o massacre da escola secundária de Columbine (onde 2 adolescentes armados matam colegas indiscriminadamente) com a “educação evolucionista que ensina que os humanos são apenas macacos glorificados” tal como disse o republicano Tom Delay. Contudo, há também elementos da direita que apesar de concordarem com o evolucionismo acham que é bom que o povo mantenha a sua crença na religião para que o mundo deles não desabe. “Para quê roubar-lhes o sonho?” parecem dizer. Tal como o escritor de ciência Ronald Bailey observou: muitos conservadores não só concordam com Karl Marx quando ele escreveu que a religião é o ópio do povo como ainda acrescentam “graças a deus que assim é”.
Nesta luta observa-se um fenómeno curioso. Por vezes a esquerda e a direita conservadora religiosa aliam-se nesta luta anti-ciência comportamental. Muitos criacionistas usam citações de esquerdistas fervorosos (que abominam a religião) quando se trata de lutar contra as novas descobertas científicas. Quando há um inimigo comum, eles tornam-se amigos. Em Portugal, fiquei a saber, através de uma conferência sobre o Darwinismo na FCSH, que existe (pelo menos na altura existia) uma directiva do ministério da educação que advoga que o darwinismo não deve ser aprofundado no ensino público. Torna-se claro, esta aliança política de inimigo comum faz-se sentir também do ponto de vista institucional.
Tal como os liberais são atacados tanto pelos socialistas como pelos conservadores religiosos, a ciência comportamental é também alvo dessas duas facções que temem que as novas descobertas coloquem em causa a sua legitimidade ideológica. Podem fazê-lo durante algum tempo, mas será impossível fazê-lo para todo o sempre. Chegaremos a um dia em que as evidências da ciência terão de ser equacionadas pelo pensamento político e aí novos argumentos terão de ser esgrimidos. O que fazer com este novo conhecimento e quais as suas implicações sociais são questões que irão definir o próximo passo da “coisa” política...