O REPLICADOR

Maio 27 2011

 

 

Este é o retrato da minha última experiência com a segurança social. O que lá fui fazer é pouco relevante já que, tal como bacalhau, sendo português todos nós nos temos que cruzar com ela um dia mais cedo ou mais tarde.

A ideia que tenho do que as pessoas pensam que ocorre numa repartição da SS é mais ou menos similar a uma rave do boom fest: mal organizada, com muitas cores e slogans como “sustentáveis” mas no fundo ninguém lá dentro sabe do que está a falar.

 

Nada mais longe da verdade. Eis a minha história:

 

Na última quarta-feira tive que ir entregar um papel. Existe em cada repartição da SS uma caixinha muito útil para o fazer mas, já que da última vez que tive que lidar com o monstro redistributivo me perderam metade dos documentos, decidi sabiamente que precisava de um comprovativo.

A minha primeira tentativa foi fútil, entrei na repartição para me dizerem que ali só tratavam de assuntos de estrangeiros. Felizmente o balcão próprio para o efeito era só no cimo da rua. Nessa altura ainda não sabia que a rua tinha quilómetro e meio mas lá fui alegremente a pé.

Quando chego não há ninguém na recepção (estava a almoçar mas ninguém a substituiu) e pelos vistos já não havia senhas. A quatro horas do encerramento já não havia vagas para atender mais ninguém naquele dia. O que era curioso porque o local parecia bastante desafogado, respirava-se bem e só estava em pé quem queria.

Duas horas e meia mais tarde saí a correr para ir buscar o carro cujo parquímetro estava a acabar. Não houve problema porque, com 4 pessoas sem senha à minha frente e o tempo que demoravam a atender cada uma o mais provável era ter que voltar noutro dia de qualquer forma.

 

Hoje não tomei riscos. Estava à porta da mesma SS às 7:30, hora e meia antes de abrir. À porta como quem diz porque a fila já tinha uns 4 metros e 11 pessoas à minha frente. Saquei do livro do juiz Carlos Moreno e esperei. Às 9 entrei, fiquei com a segunda senha de entrega de documentos e esperei mais 50 minutos até à minha vez.

 

Quando me dirijo à secretária que foi indicada ainda lá estava uma senhora “de leste” (isto tem que ser lido com o sotaque dos nossos avós) e o que deveria ser o seu filho, que tentava desesperadamente compreender o que a assistente queria dizer com “a carta vai para sua casa”. Assim ficou justificado o tempo que se perdeu até à minha vez. Eu demorei 5 minutos, era mesmo só entregar o maldito papel e receber o comprovativo. Mas a minha impressão mudou muito. Fui bem atendido e por funcionárias (destaco a segurança que me atendeu na quarta depois do seu almoço e a secretária de hoje) muito competentes e simpáticas. Aquele mito de que todos os funcionários públicos são calões não passa mesmo disso.

 

Então porquê filas tão grandes?

 

Porque o sistema da segurança social assenta na necessidade de preencher papeladas parvas em triplicado, benzidas pelo padre, carimbadas pela autoridade de produtos agrícolas da Guatemala e amadurecidas em casca de carvalho. E isto tem razão de ser: se for demasiado fácil receber o dinheiro “a que temos direito”, então vão todos querer uma parte do bolo e com cada vez menos a pagar vamos ter um queque para dividir pelo casting de abertura dos jogos olímpicos de Pequim.

A segurança social restringe o consumo não pelo preço (conceito impossível no sector público) mas pelo desgaste e cansaço. Quem tem menos para fazer e mais paciência consegue arrebanhar mais fundos do estado que os outros que não podem perder entre 2 e 8 horas na segurança social a

Aturar maus cheiros;

Comer com um ecrã que publicita todas as maravilhas da segurança social;

Ler quinhentas vezes o slogan da SS “Agora e Sempre”.

 

Nisto as funcionárias que vêem estes rebanhos tão perdidos comovem-se e têm um atendimento muito bom e de certa maneira expedito. Pior fui tratado pela secretária de uma seguradora. Com a abismal diferença que o que demorava uma semana e requeria uma assinatura na seguradora demora mês e meio e requer números, assinaturas e carimbos de todas as entidades conhecidas ao Homem na segurança social.

 

Em conclusão, os serviços de atendimento dos organismos estatais parecem estar numa tendência para o seu aperfeiçoamento no nível da relação humana por uma questão de pena. Infelizmente esse atendimento é a cobertura açucarada de um bolo estragado constituído por burocratas de fato que vão desde o parlamento até às secretárias da sede da ISS e DGSS, que nem sequer deveria existir.

publicado por João Rodrigo às 23:02

"Porque o sistema da segurança social assenta na necessidade de preencher papeladas parvas em triplicado, benzidas pelo padre, carimbadas pela autoridade de produtos agrícolas da Guatemala e amadurecidas em casca de carvalho."

Deliciosa pitada de humor. Falta-te visitar uma qualquer Repartição de Finanças. Juro que já vi, numa Repartição, Funcionários Públicos fingirem introduzir dados no computador só para evitarem atender pessoas.

No mesmo local, os Funcionários Públicos fecham a porta às 15h30, quando o horário de atendimento termina às 16h. O truque para abrir a porta foi-me revelado por um morador do mesmo edifício, com um sorriso de orelha a orelha. Diria mesmo, um sorriso triunfal sobre a o Monstro Burocrático.

Felizmente, o tio Belmiro resolveu fazer concorrência à PT, a internet de banda larga massificou-se e foi criado o Portal das Finanças.

André a 31 de Maio de 2011 às 22:34

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