O REPLICADOR

Março 01 2010

O Consenso Português

 

O Insurgente fez 5 anos de existência. Várias personalidades escreveram textos para lembrar esse facto e, naturalmente, para congratular o colectivo. De todos os textos, o que captou mais a minha atenção foi o que foi escrito por José Manuel Fernandes (ex-director do jornal “Público”). JMF lembra como F.A. Hayek foi importante para a vitória ideológica e eleitoral de Margaret Thatcher em 1979, assim como lembrou as vitórias de Thatcher e o seu legado sob forma de “Thatcherism”. Ademais, JMF lembra ainda como o Insurgente tem um papel importante no quebrar do consenso estatista e social-democrata vigente, onde da esquerda à direita, todos acreditam que é o Estado que deve keynesianamente comandar a economia, e consequentemente, a vida dos seus cidadãos.

 

O Consenso Britânico

 

Para os que acham impossível qualquer mudança de paradigma em Portugal, vale a pena analisar o caso britânico. Depois da II guerra mundial, o consenso social-democrata keynesiano chegou a Inglaterra. Até à chegada de Margaret Thatcher em 1979, quer o partido trabalhista, quer o partido conservador, concordaram com o projecto socializante de Clement Attlee, o líder do partido trabalhista que lançou o Welfare State britânico. Esta era do consenso pós guerra britânico culminou com uma economia com crescimento quase nulo, estagflação, desemprego alto, défice público e, por fim, com a intervenção do FMI. Nessa altura a Grã-Bretanha era apelidada de “Sick Man of Europe”. Em seguida, Margaret Thatcher trouxe o liberalismo para o Reino Unido, através do monetarismo de Milton Friedman e da inspiração na fleuma literária de F.A. Hayek. Tudo mudou, o Reino Unido voltou a ser competitivo e ganhou influência no mundo, ajudando, com Ronald Reagan, a demolir o muro de Berlim, declarando triunfantemente a vitalidade da economia de mercado livre. Seguidamente, gerou-se um novo consenso: o new labour de Tony Blair já não era socialista e abraçava com bom grado o legado económico de Margaret Thatcher. O próprio Peter Mandelson, uma das figuras mais importantes do New Labour, declarou: “We are all thatcheristes now”. Talvez tivesse exagerado, o New Labour não era “Thatcherite”, mas tinha certamente deixado de ser socialista.

 

Novo Consenso

 

Durante as felicitações ao aniversariante, muitos alegaram que Portugal precisa de romper o consenso social democrata, destacando o papel positivo do Insurgente neste processo. Na minha óptica, não seria preciso apenas uma Margaret Thatcher, seria preciso um novo consenso onde a direita portuguesa fosse liberal e a esquerda fosse, no mínimo, liberal social, e onde o socialismo fosse uma memória do passado. Nada disto parece real nos tempos que correm; porém, a motivação de elementos como os do Insurgente dão-nos a ilusão de que em Portugal existe de facto debate de ideias fundamentais. Não existe, mas ao perpetuarem a noção de que poderá existir, eles trazem uma visão corajosa e optimista do futuro.

 

Parabéns (atrasados) Insurgente.

 

publicado por Filipe Faria às 19:24

... quer sentido ético objectivo.
Rui Botelho Rodrigues a 3 de Março de 2010 às 23:00

Curiosamente o livro Ethics of Liberty foi o único livro de Rothbard que comprei (todas as outras informações sobre ele vieram via online). Li com especial atenção o capítulo onde ele tenta rebater os argumentos de Robert Nozick para a inevitável formação do Estado. Devo dizer que apesar do Rothbard ser incisivo na sua argumentação (por vezes acho que ele está a jogar boxe com os adversários ideológicos), não me conseguiu convencer da inevitabilidade da formação de um Estado ou de algo que a todos os níveis seria um Estado. Porém, um Estado não é irreversível, ao longo da história já se formaram Estados e já se destruíram Estados. O Estado não deve ser visto como uma fatalidade coerciva imutável. Na linha Hayekiana, se um Estado não for discricionário e maximizar a liberdade exequível, pode existir desde que seja produto da ordem espontânea, senão, pode e deve ser deposto ou reformado. Concordo que não há formação de um Estado sem prejudicados, aliás, vou mais longe, não há transições bruscas sem prejudicados, sejam ela de socialismo para liberalismo ou vice versa.

Quanto à questão da lei natural de Rothbard que dispensa a justificação divina, irei ler esse capítulo com atenção assim que tiver tempo, mas como já o disse antes, tenho uma profunda desconfiança pela razão como fonte da acção humana.

“And here we come to a vital difference between inanimate or even non-human living creatures, and man himself; for the former are compelled to proceed in accordance with the ends dictated by their natures, whereas man, the rational animal," possesses reason to discover such ends and the free will to choose”
Rothbard

Isto leva-nos para a questão do livre arbítrio. A minha posição está perto dos compatibilistas, isto é, considero que o livre arbítrio é compatível com um certo grau de determinismo. Por exemplo, considero livre arbítrio a capacidade para fazer escolhas que dependem de mim sem coerção de outros; porém, como entidade biológica que sou, tenho predisposições que, em “contacto”, com o contexto vão pré determinar as minhas escolhas (os meus genes, as minhas pulsações, os meus instintos, ou o ID freudiano). Somos mais animalescos do que gostamos de pensar, mas mesmo sem ter a razão como fonte de acção (e sim como ferramenta), o livre arbítrio existe desde que o indivíduo não seja manipulado por outros no contexto ou ambiente em que vive. Negar o carácter pré definido de cada indivíduo seria negar-lhe a individualidade, abrindo aí sim, o caminho para a colectivização. Neste sentido, Hayek e Darwin são devedores da escola iluminista escocesa, ambos vêem a evolução cultural como um processo de mutação e imitação, isto é, alguém descobre algo novo de útil e todos os outros imitam, desde que tenham livre arbítrio para o fazer (ausência de coersão) vão, com base na observação empírica, imitar as soluções que resultaram com outros. Apesar de apreciar autores racionalistas como Rothbard ou Ayn Rand, considero que o peso que dão à razão não se verifica em empiricamente.

Quanto ao socialismo, é verdade que podemos genericamente definir o socialismo como a posse colectiva dos meios de produção, mas o socialismo como corrente é tão vasta como o liberalismo. Eu tendo a ver o socialismo não tanto pelos métodos, mas sim pelo fim a que se propõe, e o fim é o igualizar dos seres humanos. O socialismo tolera todas as diferenças até que elas se repercutam em vantagens, ou seja, basicamente, a longo prazo não tolerará nada pois todas as diferenças terminarão inevitavelmente em vantagens e desvantagens. A face mais visível do socialismo nos dias de hoje é a redistribuição de riqueza. Os meios de produção estão genericamente nas mãos de privados, mas são escravos do Estado que justifica a sua presença (que em Portugal já equivale a 50% do PIB) com o propósito da redistribuição. Não considero que a segurança e a justiça sejam objectos de redistribuição pois a sua manutenção seria exequível sem discriminação ao nível fiscal. Como tal, não considero que quem defende a existência do Estado minarquista possa ser visto como socialista apenas e só porque isso implicaria a existência da posse colectiva dos meios de produção desses sectores pois considero que estes não têm fins redistribuitivos.


Desta forma, Milton Friedman, como minarquista, não pode ser considerado socialista (tal como nenhum minarquista o é) porque não defende o princípio da redistribuição. As suas medidas gradualistas não aceites por Rothbard postulam que só a revolução produz efeitos. Como prefiro reformas a revoluções, não posso concordar com essa premissa, apesar dos “vouchers” e do “negative income tax” serem de efeito discutível. Os Vouchers podiam funcionar mediante a forma como fossem aplicados. Embora no “negative income tax não concorde com o teu argumento pois a ideia de direito adquirido ao subsídio já existe e, devido à ineficiência burocrática ,o que se sucede é que se gasta progressivamente muito mais do que seria necessário para servir esse “direito adquirido”. A expropriação do contribuinte cederá sempre antes desse mesmo direito.

Por fim, é preciso ser dito que Friedman era essencialmente um economista e não um filósofo como Rothbard ou Hayek. Muitas das acusações que lhe são feitas provêm do facto de ele não ter desenvolvido uma teoria filosófica baseada em princípios éticos explícitos. Não penso que não o fez por não os ter, mas porque não era a sua área de acção.

«não há transições bruscas sem prejudicados, sejam ela de socialismo para liberalismo ou vice versa», isto, que é evidente, esquece o ponto fundamental. Na transição de uma sociedade estatal para uma sem estado, mesmo brusca, estamos a passar de uma situação em que existe um organismo que viola sistematicamente direitos naturais de indivíduos, para uma em que a violação não é permitida por lei. É uma transição de injustiça parcial para uma situação de justiça absoluta. É evidente que também neste caso haverá gente prejudicada: mas serão as pessoas que viviam à custa dos direitos violados e que beneficiavam de alguma forma dessa violação. O caso da formação de um Estado numa sociedade livre dele, é exactamente o contrário: as pessoas prejudicadas serão as que antes usufruíam de liberdade e deixarão de usufruir, porque a formação de um Estado não constitui um contrato (nem com as pessoas que sofrem-no no momento, e muito menos com os descendentes.) por isso qualquer Estado exige escravidão involuntária e, logo, violação de direitos naturais.
Quando acuso Friedman de socialismo (ou qualquer minarquista) trata-se de uma óbvia provocação, no entanto, ela contém um mínimo de verdade. A redistribuição, sempre que existe propriedade colectiva de qualquer meio de produção (e isso inclui a polícia, os tribunais e o exército), está sempre presente. Neste momento, um camponês pobre do interior paga a polícia que patrulha a Cova da Moura, ou os senhores que rondam o Banco de Portugal; ou paga os processos jurídicos de outrem, inclusive do Apito Dourado e do Freeport. Inúmeros exemplos podem ser dados, mas o princípio continua lá: a redistribuição inerente à colectivização, a separação entre o serviço que se obtém e o preço que se paga, o carácter arbitrário e não-competitivo da fixação desse preço, etc.
Agora, uma confissão: eu também costumava preferir reformas a revoluções, mas apercebi-me entretanto da impossibilidade de reformar o sistema presente. A reforma não passa de uma manutenção do status quo, e o estado putrefacto do Estado não se presta a reformas graduais. Volto a lembrar a frase do abolicionista americano: graduality in theory is perpetuity in practice. Convém notar que não acho que uma revolução violenta seja o caminho, porque iria violar o próprio princípio que pretendo ver defendido (a não-agressão). Porém, nem toda a revolução precisa de ser violenta.
Até há bem pouco tempo – seis ou sete meses – eu ainda era minarquista (o meu antigo blog chamava-se minarquista). Rothbard já era o meu teórico político favorito, seguido por Spooner e Acton, mas continuava com o pé atrás em relação à anarquia. Parecia-me demasiado radical, como parece naturalmente a qualquer pessoa. Eu já reconhecia o argumento ético contra a existência de um Estado, mas o vírus utilitário não me deixava aceitar a consequência lógica desse raciocínio. Eventualmente, porém, cedi. Percebi que se acreditamos no direito natural – como eu acredito – (ou pelo menos em valores morais que devem ser respeitados numa sociedade civilizada) não podemos justificar a existência de uma instituição que viola esse direito e esses valores em nome da sua protecção. A contradição é evidente.
Entretanto, além disso, dei de caras com alguns argumentos utilitários (Molinari, David Friedman, Robert Murphy) que mostravam o desperdício de recursos que é um monopólio territorial de justiça e violência (à semelhança de todos os outros monopólios), e que se juntavam ao coro anarquista. Por isso, acho que o Filipe poderá como eu passar-se em breve para o campo anarquista. Se não por uma questão de princípio, por argumentos utilitários. Ambos apontam a mesma direcção. E como disse há uns tempos numa outra discussão, em 1700 a democracia parecia tão ou mais impensável como a anarquia hoje.

Rui Botelho Rodrigues a 6 de Março de 2010 às 00:24

Quanto ao economista-não-teórico-Friedman: mesmo que não a tenha desenvolvido, existe certamente uma inerente na sua metodologia, nas suas propostas e nas suas acções. Uma que eu, como sabe, não aprovo. E já agora, acho que era o Schumpeter (um homem brilhante) que fazia a distinção entre os «dois hayeks»: o primeiro era praxeólogo na tradição de Mises, o segundo mais influenciado pela escola de Chicago. Não preciso de dizer que respeito o primeiro e não o segundo (embora ache que escreve muito mal em ambas as fases).
Rui Botelho Rodrigues a 6 de Março de 2010 às 00:25

Antes de mais devo dizer que tirei a noite para ler com atenção os 4 primeiros capítulos sobre direito natural do Ethics of Liberty do Rothbard. Curiosamente, eu já tinha apresentado os meus argumentos (na linha do David Hume) em relação ao direito natural como proveniência da Razão, mesmo sem saber que Rothbard tenta quebrar os argumentos de Hume, e com toda a razão, pois os argumentos de Hume são muito fortes e estão no caminho epistemológico do postulado de Rothbard. Rothbard tentou mostrar o primado da Razão contra as “paixões” de Hume ao alegar que se Hume considera que a Razão (como ferramenta das paixões) pode gerar regras de justiça social, então é porque essas normas de justiça regulam as paixões e não vice versa. Em suma, que a Razão domina as paixões. Porém, na minha óptica acho que Rothbard falha ao não conceber a tentativa constante dos seres humanos para puxarem as normas de justiça para o seu lado de forma discricionária (tal como os nossos governantes o fazem, ou seja, defendem X hoje contra Y porque lhes dá jeito e amanhã defendem Y porque o contexto mudou e precisam mais de Y). A Razão de facto estabelece normas de justiça (artificiais, como diria Hume), mas as paixões irão sempre fazer com que o homem as tente subverter. Dito de forma mais prosaica, a título de exemplo, eu até posso aceitar que a sociedade funciona melhor sem a pena de morte, mas amanhã, num caso concreto em que fui prejudicado, posso mudar de ideias.

Em relação ao direito natural que não precisa de justificação divina, ele safa-se bem. No fundo diz que o direito natural é equivalente à natureza humana, ou seja, refere-se às inclinações naturais da natureza do homem e nada mais. Contudo, também acho que falta algo nesta ideia, porque a falta de respeito pela propriedade privada (alheia) é também uma inclinação natural do homem, que sempre pilhou, roubou, violou e, na versão mais contemporânea, taxou sem fim. E Rothbard poderá dizer-me: “mas a defesa da própria propriedade privada também é uma inclinação natural do homem”. E tem toda a razão. Mas então custa-me chamar a este processo um DIREITO, quando o que há na realidade é um embate bélico entre os que não respeitam a propriedade privada alheia e os defensores da própria propriedade privada (que por sua vez até podem tentar atacar outras). Haverá vencedores neste processo, mas não vejo aqui um direito se não existirem instâncias a declararem-no como tal (tal como Locke diz que o Estado existe para defender o direito natural à propriedade privada). Se existir uma entidade a sancionar esse direito, ele existe, senão existir, parece-me que o que existe é um embate entre vontades antagónicas vencendo o mais bem apetrechado.

Bem sei que muitos dos que partem de Hume terminam no utilitarismo. Visto que a moralidade é um artifício, então que se consiga a maior felicidade para o maior número de pessoas. Certo? Eu não vejo que assim seja, considero que a liberdade é um bem universal e que pode e deve ser acessível a todos, sem que se tenha de sacrificar minorias a favor de maiorias. E para se atingir esse fim, apenas a liberdade negativa (poder de agir sem coerção de outros) serve este propósito.

Agora que expliquei melhor a minha posição (espero que não tenha sido muito confuso na explicação), passo a comentar o teu último texto:

Uma transição revolucionária brusca irá sempre gerar prejudicados. Estamos de acordo. Tu dizes na passagem do Estado para a anarquia: “É evidente que também neste caso haverá gente prejudicada: mas serão as pessoas que viviam à custa dos direitos violados e que beneficiavam de alguma forma dessa violação.”

Infelizmente, penso que não seriam apenas as pessoas que viviam à custa dos direitos violados que iram ser prejudicados, numa fase de transição revolucionária e brusca, muita pilhagem se iria suceder até que novos sistemas de segurança fossem desenvolvidos.


Em relação à redistribuição na segurança. É verdade que a podes ver como tal, um camponês no Minho a pagar a segurança dos subúrbios lisboetas. Mas isso leva-me para outra questão, até que ponto o camponês não tem vantagens em ter segurança em sítios longe da sua casa como as fronteiras do país ou zonas problemáticas que contêm elementos que se deslocam (por vezes em gangs). Conheço pouco de Hoppe, mas sei que ele não é a favor da livre imigração, como é que ele justifica a delimitação de território sem a existência de um estado? Ou seja, como controlar a imigração e os “invasores” de território não-privado sem a presença de um Estado? Em relação à justiça, parece-me que a redistribuição que evidenciaste (e muito bem) pode ser minimizada com regras anti-discricionárias.

Outra pergunta, se não advogas revoluções violentas, mas também não acreditas em gradualismos, o que sugeres?

Quanto ao anarquismo, devo dizer que ainda hoje não estou em nenhum campo específico, sei que estou na grande esfera do liberalismo (hoje em dia isso parece já não querer significar nada), mas estou sempre aberto a discutir os prós e contras de tudo. Sei também que vou construindo bases de suporte ideológico à medida que vou obtendo informação. Chato chato é poder estar errado, que, segundo Philip Roth, é como vamos sabendo que estamos vivos. Aparentemente eu sou mais favorável a Hayek do que tu, considero que ele aplica a noção de natureza humana de David Hume e de Darwin (que seguiu Hume) à política e ao mercado de forma muito assertiva, que também funciona evolutivamente por inovação (mutação) e renovação.

PS: podes tratar-me por tu
Filipe Faria a 6 de Março de 2010 às 22:55

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