O REPLICADOR

Julho 16 2011

Há uns dias tive a oportunidade de (finalmente) ler a famosa distopia ‘Brave New World’ de Aldous Huxley, considerado um dos melhores romances escritos no século XX, muitas vezes comparado ao ‘1984’ de George Orwell em termos de celebridade.

 

No universo/futuro de Huxley todos os seres humanos atingiram um estado total de ‘alegria’; eliminaram-se as doenças, as dificuldades que surgem ao tentar alcançar os seus desejos/sonhos, o matrimónio e consequentemente noção de família. Não há religião nem conceito de Deus para além da adoração a Henry Ford, o grande criador e visionário utilitarista que deu origem a esta sociedade.

A população está dividida rigorosamente por castas, sendo o seu destino escolhido ainda antes de nascer. E como chegaram a esta situação? Como é que possível o ser humano não se revoltar perante a restrição completa da sua liberdade, completamente destituído do poder sobre o seu destino? A resposta no romance de Huxley é simples: através do condicionamento. Nesta sociedade sem pais nem mães, os bebés não são criados à boa velha maneira física, mas sim criados ‘in vitro’ sendo desde logo diferenciados: uns irão ser indivíduos ‘únicos’ pertencentes às mais elevadas castas destinados a trabalhos mais complexos, enquanto outros serão produzidos em massa (segundo o método Bukanovsky), cópias idênticas (gêmeos verdadeiros vezes noventa e seis), e propositadamente menos ‘iluminados’ que os seus superiores. Uns ficam com os empregos que consomem mais 'intelecto' e outros ficam com o trabalho 'manual', uma força operária completamente submissa. Mas todos vão gostar do seu trabalho porque assim foram desenhados e predestinados.


Em relação às interacções humanas existe uma rigorosa linha que divide as castas em duas grandes facções. Desde que nascem aqueles pertencentes às castas mais elevadas são outra vez condicionados (uma vez que geneticamente já o foram) através de 'lições' dadas durante o seu sono para não se misturarem e terem nojo dos seus inferiores. Além disso existe a máxima, 'Everyone belongs to someone else’ (todos pertencem a todos) ou seja, não se encoraja relações sexuais durante um período superior a 1, 2 meses com o mesmo indivíduo, sendo que o natural consiste em ter vários parceiros sexuais ao longo da vida e muitas vezes até ao mesmo tempo. Existem também muitas orgias organizadas pelo sistema, com pessoas escolhidas aleatoriamente (mas sempre das mesmas castas) porque é imperativo ter relações sexuais regularmente. Não existe tal coisa como o casamento ou uma relação que envolva algo supostamente imutável como o amor. Como disse acima, através deste método elimina-se a noção de família por completo, considerando-se esta como uma aberração da natureza, tal como actualmente se pensa do incesto ou pedofilia.


E mesmo que este condicionamento todo falhe existe sempre a droga suprema, perfeita: soma. As vantagens de ter uma trip sempre 'prazenteira' sem os downsides do dia seguinte, sem efeitos secundários. Aliás é criado um sistema de dependência extrema, ao ponto de se racionar este produto às massas, embora as castas mais altas tenham um acesso mais facilitado. Na eventualidade de algo correr mal, pode-se simplesmente 'tirar umas férias' de todos os problemas. O sistema criado à volta do ser humano fá-lo depender intensamente deste.


No entanto este sistema tem falhas, uma vez que esta sociedade futurista deriva do trabalho do Homem, e por muito condicionamento que exista há-de haver sempre algo que foge da norma, algum pensamento que não encaixa no da multidão. Huxley introduz-nos algumas personagens que têm pensamentos e maneiras de ser que não compactuam com a maioria, a sua realidade constantemente esmagada pelos dogmas da sociedade. Existem também as chamadas reservas, onde existem seres humanos no estado mais selvagem, comparando-se às tribos indígenas existentes na América do Norte antes da colonização europeia. 

 

No final a história desenrola-se subitamente numa demonstração de revolta e distúrbios no sistema o que resulta na ostracização dos membros ‘defeituosos’ para ilhas dedicadas a estes. No entanto um deles, aquele que cresceu na reserva indígena, vê-se obrigado a continuar no mundo ‘real e civilizado’ como parte de uma experiência. Este indivíduo, que se chama simplesmente John, tem ainda mais dificuldade em habitar/viver naquele mundo uma vez que nunca foi condicionado e se recusa a tomar soma. Huxley conseguiu transmitir a miríade de sentimentos confusos, desesperados, furiosos pelos quais o selvagem passou enquanto tentava levar uma vida de eremita no campo e consequentemente encontrar alguma paz de espírito. Em vão. Ele queria deixar o mundo mas o mundo não conseguiu abdicar dele. Como punição o selvagem praticava frequentemente autoflagelação sendo um espectáculo para todos os que vieram da cidade para o observar. Eventualmente depois de vários abusos por parte dos media e espectadores (incluindo as famosas orgias) e depois de ter agredido a mulher que amava mas repudiava (por ser uma deles) o selvagem decidiu que não queria viver mais.

 

John era o único ser que se poderia considerar autêntico num raio de milhares de quilómetros, o único que viu a realidade monstruosa criada pelo ser humano. Um mundo sem escolhas, premeditado, planeado ao ínfimo. Um futuro não tão assim tão distante e impossível de alcançar. ‘Brave New World’ encerra em si uma crítica acérrima ao socialismo e manipulação de massas, mas acima de tudo é uma ode à importância do individualismo e liberdade. 

publicado por Rita M. às 01:19

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