O REPLICADOR

Maio 16 2011

Às vezes ‘gosto’ de ir a jornais online portugueses ler os comentários a certas notícias, nomeadamente referentes à ‘economia’ do país com muitos nomes giros como IVA, taxas de tudo e mais alguma coisa, desemprego, subsídios, estado social, etc etc.

 

Chego mais uma vez à conclusão que o bom português se encontra extremamente dependente do seu compincha Estado, um português desorientado que tem de fazer contas à vida porque lhe tiram o rendimento social de inserção, um português invejoso dos ‘grandes ricos’, um português cego, que insiste votar naquele que lhe garante o dinheiro fácil que lhe cai nos bolsos ao fim do mês. Acima de tudo um português que aplica o que experiencia na sua pele e/ou do que ouviu falar o vizinho, achando que sabe tudo o que há para saber, disparando postas de pescada a uma velocidade estonteante. Aliás os mais ‘perigosos’ são precisamente aqueles que por lerem um livro de uma ideologia qualquer assumem logo que são uns iluminados.


Ora nisto o político se quer ser eleito tem que obrigatoriamente adoçar as suas palavras, usar uma retórica muitas vezes inflamada cheia de gritos e acusações a outros políticos (porque passar a batata quente é muito fácil). Não existe um único político a meu ver que ofereça a verdade como ela é; estamos todos num pardieiro com bosta até à cintura, e todos oferecem uma mansão de 17 quartos e piscina.


Só posso conjecturar mas possivelmente se houvesse neste momento um político português com ideias liberais a sério (não aquele liberal que pensa que Keynes se encaixa nesta categoria) que se dedicasse exclusivamente a dizer a verdade, a defender a propriedade, a propor a abolição do estado social, dos impostos, da intervenção do estado nos mercados, etc etc, não teria êxito nenhum. Não é isso que as pessoas querem ouvir, e em boa verdade todos querem uma realidade segura, estável e não uma em que tenham que fazer sacrifícios e assumir riscos. Muitos desejam um ‘nanny state’ e o liberalismo é precisamente o contrário; é aquele que nos incita a sermos empreendedores e autónomos, os senhores do nosso destino, dito de uma maneira mais poética.

 

Entretanto lá continuamos com esta palhaçada a que chamam eleições, onde os candidatos são extremamente simpáticos, distribuem beijinhos e abraços, fazem promessas fantasiosas como aumentar o salário mínimo nacional e acabar com a recessão entre outras propostas igualmente sonantes ao ouvido do eleitor.


 A sério Portugal? Vamos continuar a insistir sempre nos mesmos cavalos?


Maio 08 2011

 

 

 

 

Deixem que vos explique alguns factos acerca deste vídeo. Poderíamos começar pela diferença entre voluntariado e democracia.

 

No voluntariado o benfeitor entrega uma soma de capital (seja monetária ou em géneros) de livre vontade. Ele escolhe fazê-lo e com isso sente-se bem, promovendo até, dizem, a libertação de endorfinas nos centros do prazer (posso estar a inventar mas pelo menos a minha experiência também é esta). Como num investimento, cabe ao descapitalizado a análise do seu investimento, nomeadamente as consequências deste, seja o bom ou mau uso da sua dádiva. No entanto é comum no voluntariado não receber dividendos excepto um sorriso ou um obrigado.

 

Na democracia temos um voluntariado forçado (embora a palavra voluntariado nem se aplique). Teremos uma maioria que aprova um pacote de bailout com uns quantos zeros e cada um, incluindo aqueles que não concordaram, metaforicamente dirige-se ao mealheiro e tira de lá uma nota para financiar os “pobres” (na prática o país endivida-se e vai lentamente espremendo o contribuinte pelo pagamento da soma). A comissão de extorsão então junta tudo e manda para o destino. Está então encarregue de ver os frutos do seu investimento e pode até receber dividendos já que falamos de um empréstimo. Mas não nos deixemos enganar, as comissões fazem um trabalho tão bom em ver para onde vai o dinheiro como os contribuintes individuais quando mandam uma lata de feijão para África. E no fim àqueles que aceitavam o voluntariado fica-lhes a saber a pouco enquanto os que não queriam dar o dinheiro ficam com um mau sabor na boca. Pelo menos foi o que me ficou a saber aquando dos bailouts da Grécia e Irlanda. Não é uma questão de estar cá para o próximo ou não, é se somos obrigados ou não a fazê-lo.

 

Agora falemos de propaganda estatal.

 

Porque foi gasto dinheiro nisto? Eu preferia que me tivessem pago um café! E não é um pouco duvidoso ser o estado a lançar um vídeo com a intenção de receber mais dinheiro para redistribuir (leia-se gastar)? Isto lembrou-me de há uns anos passar nos vários canais publicidade ao “cheque dentista” (uma invenção socratina que provou a inadequação do sistema médico público já agora), que deixou todos saberem que o PS se preocupava com os nossos dentes. Quando fiz uma viagem a Santiago de Compostela via também cartazes do “plano E”, outro plano de contornos duvidosos.

Não é novidade (até pode ser porque vejo uma estupidificação geral acerca deste vídeo) que os governos “querem aparecer”. Publicitar as grandes (pequenas) vitórias é infinitamente mais decisor na opinião geral do que dar uma longa e enfadonha lista de colossais derrotas e erros. E neste caso o vídeo bonito esconde vários problemas: Portugal está em dívida mas tem mais telemóveis que habitantes, omitem-se os vários contornos obscuros das nossas grandes conquistas (que não deixo aqui porque a informação está na internet e não sou nenhuma autoridade na matéria para não me acompanhar de referências que neste momento desconheço) e finalmente porque gastámos mais do que produzimos estamos a fazer chantagem emocional feito bebés com os finlandeses. A mesma chantagem que se faz com os ricos para eles subsidiarem os pobres já que os primeiros têm um dever de retribuir à sociedade (como se não o fizessem pelos serviços que proporcionam e pessoas que empregam), sem dúvida que os governos já sabem a lengalenga. E como os portugueses cá a engolem tão bem, talvez os finlandeses também o façam.

 

Rezem então, os que suportam que o governo se continue a endividar por nós, rezem para que os finlandeses caiam na “artimanha”.

 

 

Entretanto isto é o que os finlandeses deveriam realmente saber sobre Portugal (créditos a quem sejam devidos pelo grande filme):

 

 

 


Abril 28 2011

Sobre as funções do Estado, neste debate amigável com o meu colega Emanuel, defendi o seguinte:

 

É preciso que o Estado não tenha poder económico autónomo nem competências legais na economia. Digo isto porque há pelo menos 2 grandes formas de o Estado arruinar a eficiência dos mercados: através da despesa pública ineficiente e através do poder para legislar sobre fenómenos económicos que faz com que os agentes económicos prefiram servir o Estado (rent-seeking) do que servir os consumidores.

 

O Emanuel concordou comigo na primeira parte (o Estado não deve ser um agente económico) e discorda da segunda (competências legais na economia). Isto porque alega que o Estado terá de ter “capacidade para intervir em situações pontuais de distorções do mercado, o que implicará necessariamente algumas competências legais”. Ora, considero que esta ideia que é usada regularmente por comentadores políticos advém do facto de “acreditarem” que (1) falhas de mercado são questões objectivas de identificação simples e (2) podem ser resolvidas por governos. Ambas estas ideias, promovidas por um sub-ramo de economia chamado “welfare economics”, são fortemente contestadas em debates académicos e estão muito longe de gerar consenso. No entanto, há quem no campo da análise política, estando à margem destes debates, não tenha dúvidas em entregar competências legais de correcção de mercados ao Estado sabendo-se que essa ideia está muito longe de aceite como sequer exequível entre economistas. Esta fé (porque não é nada mais do que fé) na capacidade redentora do Estado em questões económicas, abre precedentes para que este possa agir indiscriminadamente na sua função reguladora e legislativa, promovendo assim ineficiência económica, gerando monopólios, cedendo aos grupos de pressão, concentrando os lucros nos poucos que praticam lobbies e dispersando os prejuízos nos consumidores. Por tudo isto, o Estado não deve ter competências legislativas em questões económicas. A ter competências legislativas e coordenadoras, estas devem restringir-se à garantia do regular funcionamento contratual e à protecção da propriedade privada.

 

Outro precedente que o Emanuel abre é a capacidade para o Estado poder taxar indiscriminadamente quando apela ao argumento de que está a providenciar a função “social” de apoiar os menos favorecidos. Como é claramente impossível determinar onde está a linha divisora entre alguém que é menos favorecido e alguém que é mais favorecido (no sentido da intervenção estatal), o Estado pode usar este argumento para reforçar a sua posição como maximizador de receita, bastando para isso “encontrar” desfavorecidos nas mais diversas áreas sociais (económicas, de género, educativas, entre muitas outras). Este é o argumento moral/social que leva ao crescimento progressivo, intrusivo e descontrolado de todos os Estados providência. No meu entender, a função “social” de protecção aos que de facto caíram, por uma razão ou por outra, no infortúnio deve pertencer à tal capacidade associativa da sociedade civil que tem sido (e nisto eu e o Emanuel estamos de acordo) constrangida e eclipsada pela acção de um Estado tentacular. Considero que num mercado com liberdade económica, dinâmico e produtivo, os recursos disponíveis provenientes de uma maior produção de bens e serviços tornam-se mais abundantes, e assim, ajudar quem realmente precisa tornar-se-á mais fácil via sociedade civil.

 

Por fim, em resposta à minha alegação de que os Estados nunca poderão ser gestores eficientes porque não existe o perigo de falência, o Emanuel refere que apesar de não existir o elemento de falência, podemos tornar os burocratas e políticos “mais responsáveis pela sua gestão, fazer com que se tornem numa parte cada vez mais interessada no sucesso de pequenos elementos de gestão – os revolvidos interesses concretos. O Estado não pode falir, mas pode ser reformado.” Infelizmente, apesar de ser uma ideia agradavelmente conveniente, não creio que tal seja possível porque (1) os políticos/burocratas terão sempre mais informação do que os eleitores, (2) as mudanças dão-se invariavelmente entre partidos já “rodados nos lugares” (no caso português PS-PSD)  visto que a livre concorrência para essas posições é um mito, (3) independentemente do político no poder este será sempre vítima de rent-seeking por parte de grupos de interesse, tendo assim estímulos para os servir e gerar ineficiência e (4) qualquer ineficiência é sempre justificada com a utilidade social, ou seja, não há alternativa ao Estado e aos seus agentes.  

 

É verdade que com uma massiva descentralização fiscal e legal estes problemas tornam-se menos agudos, mas não deixam de persistir. Em democracia de regra maioritária, quer gostemos quer não, o Estado é autónomo e não há muito que possamos fazer para alterar esse facto.

 

Poucos traduziram esta ideia tão bem como Tocqueville:

 

“Os nossos contemporâneos são incessantemene trabalhados por duas paixões inimigas: sentem a necessidade de serem conduzidos e a vontade de permanecerem livres. Não podendo destruir nem um nem outro destes instintos contrários, esforçam-se por satisfazê-los a ambos. Imaginam um poder único, tutelar, todo-poderoso, mas eleito pelos cidadãos. Combinam a centralização e soberania do povo. O que lhes dá alguma folga. Consolam-se de estar sob tutela, pensando que foram eles mesmo a escolher os seus tutores. Cada indivíduo sofre que o amarrem, porque vê que não é um homem nem uma classe, mas o povo ele mesmo que segura o extremo da corrente. Neste sistema, os cidadãos saem por um momento da dependência para indicar o seu senhor, e a ela regressam.” em Democracia na América; Alexis de Tocqueville


Abril 28 2011

Num debate facebookiano entre mim e o meu colega Emanuel (que culminou na blogosfera), o Emanuel concorda com a minha premissa de que a democracia é um sistema que não representa de todo as preferências dos indivíduos. Porém, ele considera que esta é importante como mais um “check” à acção dos governantes, por supostamente permitir retirar do poder os políticos ineficientes ou prejudiciais, limitando assim as suas possíveis acções nocivas. Neste último ponto estamos em desacordo.

 

Parece-me que através desta ideia estamos de novo a entrar na defesa da democracia como conceito abstracto e não nas suas consequências reais. Ou seja, para que este “check” seja algo a defender é preciso assumir que (1) a entidade colectiva a que chamamos votantes fale a uma só voz (unanimidade) e que (2) esta entidade tem informação suficiente para saber se as acções dos governantes são nocivas ou não.

 

Na primeira assumpção, temos imediatamente o problema de (através da regra da maioria) dificilmente obtermos 100% de votos a favor de qualquer mudança de governante nem, consequentemente, em relação ao que se possa chamar de “check”. Isto decorre principalmente de um facto ignorado quando se fala de democracia como bem abstracto: que a democracia é um “zero sum game” (quando um ganha, o outro tem de perder); por outras palavras, um péssimo dirigente para ti é um óptimo dirigente para mim porque me dá, no meu entender, mais benefícios do que o outro dirigente que tu pensas que é melhor. Depois temos o caso dos rent-seekers (que em Portugal são uma grande fatia da população), que vivem dos políticos que estão no poder e estes vão sempre apoiar estes políticos para manterem os seus privilégios seja em votação for. Num Estado fiscalmente autónomo como o nosso, antes de ser entendido como um “check”, o voto é uma arma para “expropriar” o próximo pela via legal, ou seja, quando o voto determina quem vai receber o quê e quem vai ser expropriado, temos uma sociedade de indivíduos que estão necessariamente uns contra os outros, pois as transferências não são voluntárias (como seriam no mercado) mas sim através da coerção legal via sufrágio. Em suma, os votantes nunca irão falar a uma só voz (principalmente em sistemas políticos de larga abrangência populacional), como tal, qualquer “check” será sempre um “check” de imposição da vontade uns sobre outros, o que faz com que este perca o seu significado. Qualquer uso do termo “check” no contexto da regra maioritária acaba por ter o mesmo valor que proferir termos como “bem comum”, “justiça social”, etc. São valores que não significam nada na prática devido à sua falta de universalidade. 

 

A segunda assumpção é igualmente problemática para a visão da democracia como “check”.  Para que este último faça sentido temos de assumir que os votantes estão suficientemente informados sobre as acções dos políticos que os prejudicam e sobre as que os beneficiam. Tal como a Public Choice Theory clássica postula, isto é impossível na prática. Porque as probabilidades de o voto individual determinar o vencedor de uma eleição nacional são praticamente zero, a generalidade dos indivíduos são racionalmente ignorantes. Os custos de estar verdadeiramente informado sobre o mundo das políticas públicas superam largamente a capacidade do voto individual de decidir seja o que for. Por isso todos os estudos de opinião mostram o mesmo: as populações sabem muito pouco ou nada sobre o que os políticos fazem. Isto faz com que este “check” perca o seu significado, pois se os votantes não têm informação que lhes permita fazer uma escolha informada, irão trocar de políticos com base na ignorância, escolhendo melhor ou pior, não com base no “check” desejado, mas sim com base na irracionalidade. Esta ignorância não permitirá a um indivíduo saber se ele se sente descontente apesar do político ter feito o seu melhor ou se está descontente devido ao mau trabalho do político. Ademais, é possível dizer que em algumas situações de catástrofe evidente como uma guerra local, é impossível não se perceber que algo correu mal no processo político e assim ter informação necessária para mudar e colocar um “check” no governo. Mas, como a história ensina, quando se chega a estes pontos, a democracia já foi abolida (ou pela vida das coligações partidárias ou pela via da ditadura), sendo assim uma hipótese que faz pouco sentido.

 

Desta forma, qualquer democracia de regra maioritária e de governos com poderes extensivos transforma-se numa “tragédia dos comuns” onde os ocupantes temporários dos cargos políticos tentam retirar o máximo de proveito possível desse curto período (servindo os grupos de interesse) sabendo que irão certamente ser destituídos pela natural rotação democrática ou pelo limite de mandatos.

As alternativas merecem ser discutidas posteriormente, mas deixo desde já uma citação que revela o campo onde as podemos procurar:

“In democracies the main alternative to majority rule is not dictatorship, but markets”  Bryan Caplan (The Myth of the Rational Voter, 2007, p. 3)

publicado por Filipe Faria às 23:02

Março 12 2010

Em ciência política é comum tentar-se encontrar métodos para aferir a qualidade da democracia. Em boa parte destes métodos, a democracia encontra a sua plenitude quando as necessidades materiais das populações são satisfeitas pelo poder político, o que faz com que se encare o mercado como um elemento a ser domado por esse poder que foi investido da legitimidade democrática. Desta forma, numa democracia liberal, limitar o poder político democrático pode visto uma apologia do mercado como elemento democrático. Porém, a noção de que o mercado é um elemento que por si só é democrático raramente é aceite em teoria da democracia.  Contudo, o mercado é não só um elemento democrático como o é muito mais do que o poder político alguma vez poderá ser.

 

Hans-Hermann Hoppe, no seu texto “On the Impossibility of Limited Government and the Prospects for a Second American Revolution”, mostra como só o mercado poderá ser verdadeiramente democrático. Como o acesso livre a cargos públicos através do sufrágio promove o sucesso político, apenas os que foram dotados de capacidades sociais (social skills), capacidade oratória, carisma, boa aparência, capacidade de representar, etc, estão aptos para atingir esses cargos e obterem poder. Da mesma forma, como estas características são distribuídas pelos humanos de forma desigual, apenas muito poucos na realidade estarão preparados para atingir o poder político pela via democrática. Por contraste, o mercado incorpora todo o tipo de qualidades distribuídas pelo espectro humano. Todas as características humanas têm o seu espaço para a sua rentabilização no mercado, sejam elas a simpatia, a destreza física, a intelectualidade ou o humor politicamente incorrecto. Esta possibilidade de cada um pegar nas suas características e poder participar no mercado produzindo riqueza para si mesmo é a via mais democrática ao dispor do Homem, a via que não obriga ninguém a ser nada em específico e que acomoda todas as necessidades e disposições.

 

Em suma, a plenitude da democracia não se encontra no poder político mas sim na liberdade económica. Como é óbvio, eu voto todos os dias e não apenas de quatro em quatro anos.

 

 

 

 

publicado por Filipe Faria às 23:01

Janeiro 21 2010

 

 O populismo

 

O que é o populismo? Apesar da dificuldade de caracterização do conceito, o populismo é visto como uma patologia da democracia por boa parte da imprensa e comentadores diversos. Em linhas gerais, este pode ser definido como a promessa da devolução de poder ao povo por oposição aos interesses das elites governativas do status quo. Contudo, esta patologia supracitada não é uma patologia da democracia em si mesma mas sim da democracia representativa definida pelas teorias realistas/elitistas da democracia (Schumpeter, Ostrogorsky, Michels, Mosca) que consideram que, numa democracia representativa, o povo deve restringir-se à escolha do governante e pouco mais; consequentemente, quando surge um agente político a pedir mais poder popular, estes proponentes consideram que há um overload no sistema. Da mesma forma, o que este tão criticado fenómeno do populismo faz é explorar as falhas da democracia representativa reivindicando o empowerment popular, rejeitando clivagens sociais ou políticas (esquerda/direita) e definindo o povo através de uma identidade unitária. 

 

O fortalecimento do pilar constitucional nas democracias

 

Depois da má experiência de democracia popular da república de Weimar que originou a segunda guerra mundial, as democracias ocidentais viraram-se para o fortalecimento do pilar constitucional em detrimento do pilar popular,  com especial incidência para a separação de poderes (checks and balances), para as autonomias dos bancos centrais, para a institucionalização de sistemas de direitos humanos e para os tribunais constitucionais. Com esta autonomização institucional das democracias contemporâneas o elemento da autodeterminação popular deixou de ser o foco principal da democracia para ser apenas mais um elemento da mesma. Será esta impotência, esta ausência de poder popular, que os agentes populistas irão capitalizar sempre que existir descontentamento popular. Paradoxalmente, numa altura onde existem mais democracias no mundo do que alguma vez existiram, o descontentamento com a classe política e o respectivo desinteresse crescente revelam uma desilusão em relação às capacidades dos sistemas democráticos para cumprirem com a sua função de representação popular.

 

A erosão dos partidos e o surgimento do pilar populista

 

O cientista político Peter Mair considera que à medida que o pilar constitucional se vai reforçando o pilar popular (de partidos) vai sendo substituído pelo pilar populista (sem partidos).  O pilar popular baseia-se na representação popular através dos partidos, onde as várias vontades populares, organizadas em partidos com ideologias definidas, competem pela representação governamental. O pilar populista representa a erosão dos partidos, o respectivo esvaziamento ideológico, a sua transformação em agências burocráticas de acesso a cargos governamentais e a sua direcção personalista de cima para baixo onde os líderes dos partidos usam a retórica populista para angariar votos, personificar o partido através de uma voz única e assim suportarem a estrutura partidária. O exemplo mais evidente deste processo de passagem da democracia popular para a democracia populista  é o New Labour de Tony Blair.

 

O  modelo populista do New Labour

 

Quando chegou ao poder em 1997, o New Labour de Tony Blair lançou a devolution, que assumiu o carácter de revolução constitucional. Esta baseava-se numa massiva descentralização e autonomia regional que criaram o parlamento escocês e as assembleias do País de Gales e da Irlanda do Norte. Incorporou ainda a convenção europeia dos direitos humanos na lei britânica, criaram-se sistemas proporcionais nos parlamentos regionais, introduziu a eleição directa do mayor de Londres e aboliu votos hereditários na Câmara dos Lordes; como consequência, o parlamento de Westminster sofreu uma importante restrição na sua soberania. A 3ª via de Anthony Giddens (que se baseia na inescapável compatibilização entre capitalismo e socialismo) foi usada por Tony Blair para tentar acabar com a noção de esquerda e direita procurando unir o povo e a nação num único objectivo para o qual não há alternativa. O objectivo seria o de centrar o diálogo entre o “eu” personalista do político carismático e o povo, sem clivagens e sem intermediários.

 

Populismo como modelo para a União Europeia

 

À medida que vai entregando (uma aparente) autonomia às regiões, o acesso ao poder central vai ficando cada vez mais distante do cidadão devido à erosão dos partidos como entidades representativas. Este modelo populista lançado por Tony Blair será em larga medida o modelo colocado em curso pela União Europeia no seu processo de integração. Este irá basear-se na democracia populista e no constitucionalismo tornando-se evidente que os partidos terão muita dificuldade em funcionar ao nível da integração europeia. Também aqui veremos uma Europa das regiões com autonomia mas onde o processo de decisão central é afastado dos cidadãos, facto patente no funcionalismo utilizado para a construção europeia e na aversão à consulta popular quando esta contraria os interesses das elites europeias.

 

Democracias em piloto automático

 

O crescente foco populista em personalidades carismática denotam a tentativa de disfarçar o que vai sendo cada vez mais evidente: as democracias ocidentais estão em regime de piloto automático constitucional e elitista. O populismo deixou de ser essencialmente uma arma de protesto contra o sistema (que até tinha a vantagem de servir para romper carteis partidários) para ser a própria arma ao serviço do elitismo governamental através de um constitucionalismo autónomo. Ademais, a União Europeia usa uma retórica que  não raras vezes é identificada com o populismo da extrema direita, negando clivagens ideológicas e enfatizando, em formato de subtexto, o povo (europeu) e a nação unitária (os almejados Estados Unidos da Europa), sendo o passo seguinte a escolha de políticos sedutores capazes de mobilizar as massas.

 

Ausência de escolha

 

 

Patentemente, os partidos contemporâneos perderam a sua capacidade de representação popular. A integração europeia retirarou-lhes margem de manobra para representarem as vontades dos cidadãos. Ideologicamente, as ofertas partidárias são em quase tudo semelhantes, precisando de se diferenciar e de capitalizar os votos através do personalismo dos candidatos por já não se conseguirem destacar pelos programas que propõem, ou seja, os indivíduos deixam de ter escolha programática efectiva.

 

Em suma,  este fenómeno colocaria em causa a qualidade da democracia se esta fosse um conceito estanque, como não é, qualifica-se apenas como mais uma variante da mesma; porém, permitam-me dizer que sem escolha não há real democracia; resta saber que escolha é possível ter em democracia. 

 


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