O REPLICADOR

Junho 30 2011


 

“Credit expansion can bring about a temporary boom. But such a fictitious prosperity must end in a general depression of trade, a slump.” – Ludwig Von Mises

 

            Dentro das teorias explicativas do ciclo económico tem vindo a sobressair uma estrela ascendente, a teoria do ciclo económico austríaco. Primeiramente estatuída por Ludwig Von Mises[1] nos primórdios do século XX, esta teoria tem vindo a ser trabalhada pelos grandes nomes da escola tais como o prémio Nobel Friedrich Hayek[2],  Murray Rothbard[3] e, mais recentemente, o académico espanhol Huerta de Soto[4].

 

            Perante as crescentes dúvidas quanto às capacidades dos bancos centrais, nomeadamente a reserva federal, serem capazes de prever, processar e resolver as crises sistémicas esta construção teórica tem vindo a aumentar de importância na interpretação do fenómeno dos ciclos económicos. Não só o número de publicações associadas à mesma tem aumentado, sendo de frisar o best seller do New York Times “Meltdown”, como a atenção pública a esta abordagem tornou-se mais notória.

 

           Os membros mais proeminentes da escola austríaca como Thomas Woods e Robert Murphy, membros do Mises Institute, têm assim embarcado em discussões com economistas neo-keynesianos proeminentes, nomeadamente Paul Krugman, sobre a interpretação dos acontecimentos da crise actual.

 

            A perspectiva austríaca trata a questão como uma dinâmica criada pela extensão do crédito através de criação de moeda bancária, empréstimos dos bancos centrais ou taxas de juro artificialmente baixas. Basicamente qualquer medida que incremente a quantidade de dinheiro fiduciário disponível para crédito. A tese de que os ciclos são “naturais” ao capitalismo é rapidamente descartada. Os economistas da escola austríaca consideram que sendo o capitalismo um processo permanente de selecção, através da competição, dos actores económicos uma falha sistémica é altamente improvável. É como se os melhores  médicos deste mundo falhassem todos as operações no mesmo ano. Consequentemente centram-se nas distorções na informação económica como base explicativa.

 

            O processo começa, como referi, com a inserção de “dinheiro novo” nos bancos, através da acção do respectivo banco central. Isto afecta primeiramente as taxas de juro que, para os austríacos, são uma variável dependente, não independente. A taxa de juro, considerações por parte dos empreendedores quanto a cada empréstimo específico à parte, corresponde à diferença na valorização dos bens presentes contra os bens futuros por parte dos agentes económicos.

 

            Se queremos consumir mais prontamente, restringimos as nossas poupanças, aumentamos a compra de bens de consumo e, consequentemente, o capital para empréstimo começa a escassear, o que causa um aumento das taxas de juro. Isso, e o aumento do consumo, sinaliza aos empreendedores que devem apostar em empreendimentos a curto prazo, menos custosos e, provavelmente, menos produtivos; que estão mais perto, temporalmente, da fase de consumo. O que interessa, perante a alta do consumo, é por os bens no mercado, não produzir ou comprar bens de capital. Processos mais demorados que poderiam incluir, por exemplo, nova maquinaria, novos espaços, treino de pessoal etc, são descartados pois os fundos escasseiam.

 

           Por outro lado, se restringimos as nossas compras e pouparmos mais, baixam os preços dos bens de consumo, durando mais tempo o nosso stock disponível. Isto aumenta os fundos para empréstimo e, por isso, as taxas de juro baixam e a procura de bens de capital aumenta. A baixa nos preços dos bens de consumo resultam assim numa transferência de factores de produção para a produção de bens de capital. O facto de estarem mais fundos disponíveis dá margem de manobra aos empreendedores para investirem em processos mais produtivos e custosos, muitos deles mais afastados temporalmente do consumo, por exemplo a produção de bens de capital, matérias primas, automóveis ou imóveis.

 

            Estas orientações têm em conta as preferências do consumidor, uma sociedade que poupa mais terá mais recursos no futuro, pois o seu PIB potencial aumenta mais rapidamente. Os consumidores têm os recursos postos de parte para comprar estes bens mais caros, porque assim orientaram as suas preferências entre o passado e o futuro. Se somos mais “consumistas” a curto prazo, a economia desenvolve-se menos, derivado de menos fundos disponíveis para investimento, logo os processos de produção não são genericamente tão complexos, centram-se em bens menos dependentes de largos investimentos e, por isso, o factor capital não se vê tão desenvolvido, significando um PIB potencial mais baixo.

            Quando esta complexa instituição da economia de mercado se vê alterada pelo Estado todo este processo se descoordena tendo consequências graves para a estrutura económica. Estas consequências têm de ver com a não neutralidade do dinheiro, ou seja, os acrescentos à massa monetária têm canais de entrada na economia específicos e, logo, não afectam todos os preços ao mesmo tempo. Se a afectação se desse simultaneamente não existiria um boom para começar.

 

            Basicamente, a baixa nas taxas de juro inicia o mesmo processo que um aumento na poupança e, no entanto, não se dando uma baixa no consumo não liberta os recursos dedicados à produção de bens de consumo presentes para os novos investimentos. Os preços, derivados da expansão monetária, ficam distorcidos e a produção torna-se cada vez menos dependente do consumidor e mais da irresponsável abundância de capital, criando uma estrutura artificial. Investimentos que a uma taxa de juro definida pelo mercado não seriam executados são prontamente iniciados, e a economia entra numa fase de expansão.

 

            Toda a gente pede mais dinheiro emprestado, o crédito para empresários e consumidores alarga-se e existe um optimismo florescente com as altas de preço. Os salários aumentam perante a pressão dos investimentos, arrastando os bens de consumo, que acompanham a alta. Isto adicionado à expansão creditícia vai significar que a produção de bens de capital vai escassear, concentrando-se os disponíveis à volta da bolha emergente, daí os usos valorizados pelos consumidores sofrerem. Os preços dos bens de consumo, sobre pressão da procura acrescida,  não permitem a criação de bens de capital suficientes para a expansão exponencial do investimento.

 

            Existem dois fins possíveis para este processo, ou entramos num processo hiperinflacionário no qual as poupanças se vêm convertidas em bens e a moeda perde qualquer valor, ou, a determinado ponto, existe uma contracção no crédito disponível que causa o fim da torrente e rebenta a bolha que entretanto se criou. Os empresários, quando começaram os seus investimentos, tomaram em conta os preços aos quais estavam habituados e calcularam os seus empreendimentos com base nos mesmos. Quando os preços dos factores de produção começam a subir haverá, certamente, algum desconforto mas como os preços dos bens de consumo continuam a aumentar o mesmo é descartado. O que é um investimento sustentável ou não é indiscernível. Todos, devido às leis da concorrência, se sentem impelidos a investir sob pena de os seus competidores levarem a melhor. Tristemente, sem as poupanças adequadas é impossível criar os meios para garantir a rentabilidade da maior parte dos investimentos executados. Quando a taxa de juro finalmente sobe a escassez real é revelada, e enquanto aqueles que colectaram os seus lucros ficaram a ganhar, os outros, ainda longe da rentabilização dos seus investimentos, ficam sem os fundos necessários e uma crise instala-se.  Não havia, simplesmente, recursos para completar os projectos aos níveis de preço previstos.

 

            Quando se dá este choque temos uma economia estruturada à volta de uma bolha (em 2008 devido aos encorajamentos institucionais foi imobiliária) na qual recursos escassos foram desperdiçados repetidamente resultando na perda de capital não convertível e entregando o tecido económico a um profundo reajustamento. A não utilização de recursos durante esta fase de reestruturação resulta, obviamente, numa redução da qualidade de vida. Novas poupanças terão de ser criadas para compensar o capital destruído e os cidadãos, perdidos no caos, sofrerão economicamente com as mudanças no mercado laboral. Toda a riqueza aparente se destroça.

 

            A reacção do Estado perante esta realidade é, normalmente, a menos apropriada. Tenta reparar os estragos derivados das baixas taxas de juro… com taxas de juro ainda mais baixas. Os bancos envolvidos em investimentos demasiado arriscados são resgatados pelo governo, criando uma lógica de irresponsabilidade. Pedidos de resgate aos quais se seguem os de muitas mais indústrias, apanhadas na reconversão. Assim, os usos não produtivos de recursos são sustentados pelo contribuinte em nome da ameaça do risco sistémico, mais, são usados para manter uma estrutura económica pouco apropriada aos seus desejos. Os empreendimentos que são viáveis vêm-se privados de recursos atrasando a recuperação e as “empresas zombie” mantêm um enorme peso morto sobre a economia.

 

            A herança com a qual ficamos é “mais regulação”, significando provavelmente empecilhos desnecessários ao mercado livre, uma dívida crescente, e uma classe empreendedora irresponsável e dependente do Estado, o qual subverte permanentemente o saudável funcionamento da economia. Já para não esquecer, a nova bolha, vicissitude da solução apresentada ao problema. Tal como a bolha dot com deu o ónus à criação da bolha imobiliária, esta bolha, se não mudarmos de políticas, dará origem a uma outra. Com consequências cumulativas para o bem estar humano, representando crises económicas e sociais cada vez mais insustentáveis.

 

            A principal solução a tomar para não repetir os erros do passado é, como refere o congressista Ron Paul, candidato libertário às primárias republicanas, parar com a artificialização das taxas de juro e com os incentivos políticos na economia. A melhor maneira de garantir uma acumulação de capital crescente e logo uma economia mais rica e eficiente remete para poupanças e preços de mercado reais, garantidos por uma massa monetária estável.



[1] Ludwig Von Mises (1881-1973) foi o principal responsável pela revitalização da escola austríaca de economia após o advento do Keynesianismo. No que toca ao tratamento da temática dos ciclos económicos é necessário referir as seguintes obras: “The Theory of Money and Credit” (1912), no qual inicia a teorização, e a sua obra prima “Human Action: A Treatise on Economics” (1949) onde apresenta uma versão mais sucinta, madura e enquadrada da sua teoria.

[2] Friedrich Hayek (1899-1992) foi prémio Nobel da economia. Produziu um vário espólio de escritos sobre filosofia política, economia política e teoria económica. A sua principal obra é o livro “Road to Serfdoom”, uma fantástica obra que relaciona o estatismo e o atacar das liberdades económicas como caminho para o fim das liberdades civis.

[3] Murray Rothbard (1926-1995) foi um autor e economista da escola austríaca e o fundador do anarco-capitalismo moderno. Seguindo os passos do seu mentor Ludwig Von Mises, um utilitarista, chegou a conclusões bastante diferentes, defendendo a existência de uma lei natural.

[4] Huerta de Soto (1956-) é professor catedrático de economia na Universidade Juan Carlos I em Madrid, colaborador do Mises Institute e da Mont Pelerin Society. É um dos principais expoentes europeus da escola austríaca de economia.


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